O HOLOCAUSTO BRASILEIRO

Ah... Meu pessimismo e ateísmo estavam, vamos dizer, arrefecidos... Coube à "cordialidade" do brasileiro acordá-los. Barbacena nunca mais!

Leituras que fortalecerão o nosso pessimismo.

  • "As Intermitências da Morte" de Saramago
  • "Os Ratos" de Dyonélio Machado

7.11.06

O não existir: a única liberdade.


Ele consultou a passagem da bíblia em que o mundo acabaria, como sua vida estava acabando. As palavras fluíam das páginas e como brasa queimavam sua face. A face da morte idealizada e a face da morte real e inevitável, lado a lado. Sentia que seu corpo doído e mutilado era mantido pelo aparelhamento técnico na sala branca do hospital que contava minuciosamente em números seu sofrimento. Somente seus olhos chamuscavam uma centelha de vida e buscavam no quarto sua vida que se esvaía.
Como numa tela de cinema, o teto branco refletia imagens de outrora.
- Roberto, vem almoçar. A comida vai esfriar e precisamos sair.
Seus olhos eram seus ouvidos. Somente as imagens resplandeciam coloridamente na alvura do teto. E tais imagens eram de uma mulher ainda vigorosa que trabalhava incessantemente pelo menino que brincava sem preocupações. Os negros cabelos presos eram uma moldura para um rosto maquiado com discrição. Lembranças de um tempo despreocupado.
Após o almoço, ele e a mãe saíram para visitar o pai que estava internado no hospital, tal como ele, agora. Quando das visitas, que eram bem rápidas, a mãe explicava-lhe a situação aflitante do pai. Mas ele dava de ombros. Não se preocupava, pois as palavras da mãe sempre eram de ternura, de aconchego, de amparo, de carinho.
- Roberto, a morte é uma passagem que nos leva para um lugar melhor do que este.
E para ele a existência de um lugar melhor do que este, tanto melhor, pois sua vida era maravilhosa. O pai faleceria em poucos dias, sem sofrimento, sem maiores dores.
Aquelas palavras da mãe cristalizaram-se em sua mente e durante toda a sua vida não se preocupou em buscar sentido para a vida, simplesmente vivia, mesmo com a morte de entes queridos. Mas agora sua vida estava se esvaindo e a dúvida o assombrava: como seria o outro lado? Melhor? Como dizia a mãe?
Nos velórios sentia-se como se aquele lugar não fizesse parte do mundo real. Era um apêndice da vida. O defunto jazendo inerte no meio da sala, ora com visitas, com vozes, choros, rezas; ora rodeado pelo silêncio absoluto de uma sala vazia e iluminada. Em poucas horas se renovaria o morto. E a sua hora estava chegando.
De repente, seus olhos pressentem um burburinho na sala. Os aparelhos endoidaram e a medicaiada está ao seu lado. Não consegue atinar para o que ocorre. Seus olhos buscam respostas. Sente no peito mãos que o apalpam vigorosamente. Sua respiração é lenta e lentamente as imagens vão desaparecendo e o negrume vai tomando conta de sua mente. Ele morre com as mãos às páginas rasgadas da bíblia que se espatifa pelo chão.

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